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Influência dos Bancos Centrais nos MercadosOpinião 04-06-2020  11:40
  • investimento

Os Bancos Centrais têm, regra geral, dois grandes objectivos na sua génese:
- Uma inflação controlada, na ordem dos 2% nos países desenvolvidos;
- Estabilidade cambial, contribuindo assim para o crescimento sustentado da economia e a criação de emprego.

No ultimo século, com o abandono do padrão-ouro, a importância dos Bancos Centrais tem sido crescente, em particularmente em períodos de abrandamento económico e de maior turbulência nos mercados financeiros.

Com a pandemia da COVID-19 e todos os problemas para a economia inerentes à mesma, os Bancos Centrais têm vindo a actuar com fortes medidas, nomeadamente com mais cortes nas taxas de juro (já historicamente baixas) e vários pacotes de estímulos monetários.

No que diz respeito às taxas de juro, tanto a Reserva Federal dos EUA (FED) como o Banco Popular da China (PBOC) baixaram as suas taxas de referência em 1,5% e 0,3%, para o intervalo de 0% -  0,25% e os 3,85% respectivamente. Por sua vez, o Banco Central Europeu (BCE) e o Banco do Japão (BOJ), mantiveram as taxas de referência, considerando que mesmas já se encontram em território negativo, o que diminui consideravelmente a utilidade marginal desta medida.

Para além da acção sobre as taxas de juro, os principais Bancos Centrais têm igualmente adoptado outras medidas de política monetária de apoio à recuperação económica e reforço do sistema financeiro.

Em Abril, o BCE anunciou novas medidas para reforçar a liquidez do sistema: melhorou a atractividade das injecções de liquidez TLTRO-III (reduziu o seu custo em 50 p.b.) e lançou um programa de refinanciamento - PELTROs, em inglês Pandemic Emergency Longer- Term Refinancing Operations, que consistem em operações de refinanciamento, baixando o custo de financiamento em 25 p.b.. No total as compras efectuadas desde o fim de Março ascendem a 750 mil milhões de Euros. Destaque também para a decisão de passar a aceitar activos com rating inferior a investment grade, no âmbito do seu programa de compras de dívida pública e privada, uma decisão inédita.

A FED procurou que os bancos concedessem mais crédito às empresas facilitando as restrições de capital dos mesmos. Para tal anunciou que vai excluir as Treasuries e as reservas em dinheiro detidas no seu balanço do cálculo do capital exigido aos bancos comerciais, durante 1 ano. A FED anunciou, ainda, um mecanismo destinado a comprar obrigações corporativas elegíveis, com início em 12 de Maio. O chamado Secondary Market Corporate Credit Facility vai iniciar a compra de ETFs elegíveis que invistam em dívida de empresas.

Por fim, o BOJ comprometeu-se a comprar obrigações do governo de forma ilimitada e aumentar a compra de obrigações corporativas. Este Banco vai emitir novas obrigações para financiar um pacote de estímulos recorde. Até então tinha como orientação, na dívida soberana, o aumento da sua posição em 80 biliões de ienes (USD 743 mil milhões) por ano.

Uma questão que tem sido amplamente debatida, é, no entanto, a influência dos Bancos Centrais nos mercados financeiros, e qual o seu papel nas suas mais recentes valorizações.

Num mercado de capitais que se pretende livre, várias têm sido as vozes contra uma excessiva influência dos Bancos Centrais nos mercados financeiros e na consequente distorção das avaliações dos vários activos, como um desfasamento entre os preços e os respectivos fundamentais e uma maior dificuldade de price discovery em termos de oferta e de procura. Jargões como “Whatever it takes”e “Too big to fail” ficaram populares.


teste01

Olhando para o gráfico anterior e tendo por base os 4 Bancos Centrais referidos – Reserva Federal dos EUA (FED), Banco Central Europeu (BCE), Banco do Japão (BOJ) e Banco Popular da China (PBOC), é notório o aumento dos activos detidos por estes Bancos.

O BOJ, foi o banco que começou há mais tempo com esta tendência. Num país com uma população muito envelhecida e tecnologia muito barata, a solução encontrada para estimular a inflação e o crescimento do PIB foi a compra de activos nos mercados financeiros. No Japão para além de crescimentos anémicos da economia e inflação muito baixa, também os mercados medidos pelo índice accionista Nikkei-225, não apresentam valorização, estando agora em valores idênticos aos de 2008.

O BCE e o PBOC seguiram estratégias semelhantes, ainda que mais tarde, e com maiores flutuações no caso do BCE, que foi um comprador massivo de dívida da Zona Euro, indo de encontro, quando necessário, ao auxilio de países que estavam em situação de dificuldade no que diz respeito ao financiamento e acesso aos mercados financeiros.

O caso mais fascinante, no entanto, é o da FED, que começou o grande aumento do seu balanço na crise do subprime em 2008. No início desta crise tinha cerca de 1.000 mil milhões de USD de activos no seu balanço, e a 30 de Abril tem cerca de 7 vezes mais (7,037 mil milhões USD). Se no subprime a FED foi acusada de perder algum tempo em ir em “salvação dos mercados”, na presente crise da COVID-19 foi bastante mais célere. No que diz respeito ao valor das operações, este valor foi também bastante superior: no subprime a FED aumentou o seu balanço em 1.300 mil milhões de USD (mais que dobrando o valor de activos de então) em 70 dias; já na actual crise aumentou o seu balanço em 2.700 mil milhões de USD, em 77 dias de compras.

O gráfico seguinte mostra-nos a relação entre o PIB dos países e os activos detidos pelos Bancos Centrais. Fica claro mais uma vez a grandeza do valor destes activos, situando-se este rácio em máximos históricos. O caso mais impressionante é o do Japão, onde este rácio já ultrapassa os 100%, o que mostra por um lado um fraco crescimento do PIB e por outro as compras massivas feitas por este Banco Central ao longo dos anos. 


teste02

Assim, presentemente temos uma aparente divergência entre as economias e os mercados. No caso dos Estados-Unidos, se por um lado temos uma economia que demonstra bastante fraqueza, com uma contracção anualizada esperada de 30%, no 2º trimestre, e uma forte subida da taxa de desemprego para os 14,7% em Abril, a elevada liquidez existente nos mercados permitiu a forte recuperação do índice S&P-500, que desde os mínimos de Março último, já recuperou cerca de 36,5%, em USD à data de fecho de dia 26 de Maio.

Concluindo, os Bancos Centrais têm hoje uma influência crescente e preponderante nos mercados financeiros, e são claramente um player activo e com um arsenal de instrumentos e políticas à sua disposição que nenhum investidor privado ou institucional poderá algum dia almejar. Desta forma, os mercados parecem continuar em modo “Don´t fight the FED”. Os mercados financeiros são factores de desconto de cash-flows esperados no futuro. Neste sentido, a correlação entre os mercados financeiros e o newsflow de indicadores macroeconómicos é, regra geral, baixa. No entanto, parece existir nos dias que correm um optimismo exacerbado, causado por uma óptica de continuo risk on, em muito suportado pelos Bancos Centrais.

 

 



Luís Neto
Invest Gestão de Activos

26 de Maio de 2020

  • 4
    19
    [jp]00h30: Inflação (Mar)
    [uk]07h00: Vendas a Retalho (Mar)
    [de]07h00: Índice de Preços ao Produtor (Mar)
    [es]09h00: Balança Comercial (Fev)
    [us]15h30: Discurso de Goolsbee, membro da Fed
    [eu]20h00: Discurso de Nagel, membro do BCE
    [us]Resultados Empresariais: Procter & Gamble (AA), Schlumberger (12h00), American Express (12h00)
     
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Influência dos Bancos Centrais nos Mercados

jun 4, 2020, 11:40 by DME Inês Silva
Opinião

Os Bancos Centrais têm, regra geral, dois grandes objectivos na sua génese:
- Uma inflação controlada, na ordem dos 2% nos países desenvolvidos;
- Estabilidade cambial, contribuindo assim para o crescimento sustentado da economia e a criação de emprego.

No ultimo século, com o abandono do padrão-ouro, a importância dos Bancos Centrais tem sido crescente, em particularmente em períodos de abrandamento económico e de maior turbulência nos mercados financeiros.

Com a pandemia da COVID-19 e todos os problemas para a economia inerentes à mesma, os Bancos Centrais têm vindo a actuar com fortes medidas, nomeadamente com mais cortes nas taxas de juro (já historicamente baixas) e vários pacotes de estímulos monetários.

No que diz respeito às taxas de juro, tanto a Reserva Federal dos EUA (FED) como o Banco Popular da China (PBOC) baixaram as suas taxas de referência em 1,5% e 0,3%, para o intervalo de 0% -  0,25% e os 3,85% respectivamente. Por sua vez, o Banco Central Europeu (BCE) e o Banco do Japão (BOJ), mantiveram as taxas de referência, considerando que mesmas já se encontram em território negativo, o que diminui consideravelmente a utilidade marginal desta medida.

Para além da acção sobre as taxas de juro, os principais Bancos Centrais têm igualmente adoptado outras medidas de política monetária de apoio à recuperação económica e reforço do sistema financeiro.

Em Abril, o BCE anunciou novas medidas para reforçar a liquidez do sistema: melhorou a atractividade das injecções de liquidez TLTRO-III (reduziu o seu custo em 50 p.b.) e lançou um programa de refinanciamento - PELTROs, em inglês Pandemic Emergency Longer- Term Refinancing Operations, que consistem em operações de refinanciamento, baixando o custo de financiamento em 25 p.b.. No total as compras efectuadas desde o fim de Março ascendem a 750 mil milhões de Euros. Destaque também para a decisão de passar a aceitar activos com rating inferior a investment grade, no âmbito do seu programa de compras de dívida pública e privada, uma decisão inédita.

A FED procurou que os bancos concedessem mais crédito às empresas facilitando as restrições de capital dos mesmos. Para tal anunciou que vai excluir as Treasuries e as reservas em dinheiro detidas no seu balanço do cálculo do capital exigido aos bancos comerciais, durante 1 ano. A FED anunciou, ainda, um mecanismo destinado a comprar obrigações corporativas elegíveis, com início em 12 de Maio. O chamado Secondary Market Corporate Credit Facility vai iniciar a compra de ETFs elegíveis que invistam em dívida de empresas.

Por fim, o BOJ comprometeu-se a comprar obrigações do governo de forma ilimitada e aumentar a compra de obrigações corporativas. Este Banco vai emitir novas obrigações para financiar um pacote de estímulos recorde. Até então tinha como orientação, na dívida soberana, o aumento da sua posição em 80 biliões de ienes (USD 743 mil milhões) por ano.

Uma questão que tem sido amplamente debatida, é, no entanto, a influência dos Bancos Centrais nos mercados financeiros, e qual o seu papel nas suas mais recentes valorizações.

Num mercado de capitais que se pretende livre, várias têm sido as vozes contra uma excessiva influência dos Bancos Centrais nos mercados financeiros e na consequente distorção das avaliações dos vários activos, como um desfasamento entre os preços e os respectivos fundamentais e uma maior dificuldade de price discovery em termos de oferta e de procura. Jargões como “Whatever it takes”e “Too big to fail” ficaram populares.


teste01

Olhando para o gráfico anterior e tendo por base os 4 Bancos Centrais referidos – Reserva Federal dos EUA (FED), Banco Central Europeu (BCE), Banco do Japão (BOJ) e Banco Popular da China (PBOC), é notório o aumento dos activos detidos por estes Bancos.

O BOJ, foi o banco que começou há mais tempo com esta tendência. Num país com uma população muito envelhecida e tecnologia muito barata, a solução encontrada para estimular a inflação e o crescimento do PIB foi a compra de activos nos mercados financeiros. No Japão para além de crescimentos anémicos da economia e inflação muito baixa, também os mercados medidos pelo índice accionista Nikkei-225, não apresentam valorização, estando agora em valores idênticos aos de 2008.

O BCE e o PBOC seguiram estratégias semelhantes, ainda que mais tarde, e com maiores flutuações no caso do BCE, que foi um comprador massivo de dívida da Zona Euro, indo de encontro, quando necessário, ao auxilio de países que estavam em situação de dificuldade no que diz respeito ao financiamento e acesso aos mercados financeiros.

O caso mais fascinante, no entanto, é o da FED, que começou o grande aumento do seu balanço na crise do subprime em 2008. No início desta crise tinha cerca de 1.000 mil milhões de USD de activos no seu balanço, e a 30 de Abril tem cerca de 7 vezes mais (7,037 mil milhões USD). Se no subprime a FED foi acusada de perder algum tempo em ir em “salvação dos mercados”, na presente crise da COVID-19 foi bastante mais célere. No que diz respeito ao valor das operações, este valor foi também bastante superior: no subprime a FED aumentou o seu balanço em 1.300 mil milhões de USD (mais que dobrando o valor de activos de então) em 70 dias; já na actual crise aumentou o seu balanço em 2.700 mil milhões de USD, em 77 dias de compras.

O gráfico seguinte mostra-nos a relação entre o PIB dos países e os activos detidos pelos Bancos Centrais. Fica claro mais uma vez a grandeza do valor destes activos, situando-se este rácio em máximos históricos. O caso mais impressionante é o do Japão, onde este rácio já ultrapassa os 100%, o que mostra por um lado um fraco crescimento do PIB e por outro as compras massivas feitas por este Banco Central ao longo dos anos. 


teste02

Assim, presentemente temos uma aparente divergência entre as economias e os mercados. No caso dos Estados-Unidos, se por um lado temos uma economia que demonstra bastante fraqueza, com uma contracção anualizada esperada de 30%, no 2º trimestre, e uma forte subida da taxa de desemprego para os 14,7% em Abril, a elevada liquidez existente nos mercados permitiu a forte recuperação do índice S&P-500, que desde os mínimos de Março último, já recuperou cerca de 36,5%, em USD à data de fecho de dia 26 de Maio.

Concluindo, os Bancos Centrais têm hoje uma influência crescente e preponderante nos mercados financeiros, e são claramente um player activo e com um arsenal de instrumentos e políticas à sua disposição que nenhum investidor privado ou institucional poderá algum dia almejar. Desta forma, os mercados parecem continuar em modo “Don´t fight the FED”. Os mercados financeiros são factores de desconto de cash-flows esperados no futuro. Neste sentido, a correlação entre os mercados financeiros e o newsflow de indicadores macroeconómicos é, regra geral, baixa. No entanto, parece existir nos dias que correm um optimismo exacerbado, causado por uma óptica de continuo risk on, em muito suportado pelos Bancos Centrais.

 

 



Luís Neto
Invest Gestão de Activos

26 de Maio de 2020

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