Alocação de Activos
Se por um lado é consensual esperar uma recuperação da economia mundial em 2021, por outro a dimensão das avaliações dos mercados é mais problemática. Tal como referido ao longo deste ano, os mercados são “factores de desconto”, reflectindo a todo o momento o valor actual dos cash-flows futuros esperados. Porém, dois problemas se colocam a este nível: o primeiro reside nas taxas de juro de desconto, porventura mais baixas do que estariam se não fosse a acção dos bancos centrais; o segundo reside no eventual optimismo quanto ao ritmo da recuperação para os níveis pré-pandemia. Apesar dos sinais encorajadores, 2021 será apenas o ano de arranque de uma recuperação que se espera gradual e desigual entre países.
Contudo, uma coisa parece certa: a nível global, a prioridade será o ambiente e a sustentabilidade. Assim, a par da recuperação do consumo privado, suportado pela melhoria do emprego e por elevadas taxas de poupança, também o investimento na transição energética será uma componente importante dos estímulos fiscais prometidos para os próximos anos, e que ganharam novo impulso com a vitória de Joe Biden como presidente dos Estados Unidos.
ACÇÕES
Ao longo de 2020, as métricas de avaliação, nomeadamente os múltiplos de resultados (price-to-earnings, PE) deterioram-se significativamente por via da forte queda dos resultados das empresas e pela recuperação das cotações em bolsa, desde os mínimos de Março. Com efeito, nos Estados-Unidos as acções, medidas pelo índice S&P-500, transacionam com o PE de 28,4x os resultados dos últimos doze meses (trailing 12M) e 21,9x os resultados esperados nos próximos doze meses (forward 12M), muito acima da média histórica (18,0x e 15,2x, desde o início de 2006, respectivamente).
Resultados Operacionais
Fonte: Bloomberg.
Na Europa, o índice Stoxx Europe-600 transaciona com o PE de 47,1x os resultados dos últimos doze meses (trailing 12M) e 17,5x os resultados esperados nos próximos doze meses (forward 12M). Estes valores comparam com uma média de 19,8x e 13,0x, respectivamente.
Por sua vez, os mercados emergentes, medidos pelo índice MSCI Emerging, transaciona com um PE de 24,3x (trailing 12M) e 16,3x (forward 12M), em ambos casos bem abaixo dos congéneres desenvolvidos.
Deste modo, considerando que as economias emergentes irão liderar a recuperação económica em 2021, a recente depreciação do dólar norte-americano e as avaliações relativas face aos congéneres desenvolvidos, mantemos a preferência pelos mercados emergentes e, em particular, pelos mercados asiáticos.
Entre os mercados desenvolvidos, tanto os mercado norte-americano como o mercado europeu transacionam, tal como referido atrás, com múltiplos muito acima dos valores históricos. Porém, múltiplos mais elevados podem ser justificáveis considerando as actuais e previsíveis taxas de juro no futuro próximo.
Ou seja, pela análise dos respectivos prémios de risco (diferencial entre as yields das acções e das obrigações governamentais), as avaliações estão em linha com a média histórica. Porém, na nossa opinião, as acções, não estando particularmente caras, também não oferecem perspectivas de grandes rendibilidades nos próximos anos.
Price-to-Earnings Ratio e Prémios de Risco (ERP)
Fonte: Bloomberg. Banco Invest. ERP’s calculados com base nos 12 months forwards earnings. Valores em 30-Nov-20
Assim, na nossa opinião, mais do que “olhar” para mercados regionais, cujas avaliações não são particularmente atractivas, em larga medida devido à composição dos respectivos índices bolsistas (no caso do S&P-500, as maiores cinco empresas representam cerca de 22% do índice), os investidores devem privilegiar cada vez mais uma abordagem temática, procurando capitalizar em sectores e tendências com perspectivas de crescimento superior a médio longo-prazo. Neste sentido, destacamos algumas das tendências de médio-longo prazo que irão canalizar a grande maioria dos investimentos necessários para relançar as economias mundiais nos próximos anos:
Transição Energética
As alterações climáticas e a degradação do ambiente representam uma ameaça existencial para o mundo. Para superar estes desafios, a Europa anunciou o seu Green Deal, um plano para tornar a economia da União Europeia (UE) mais moderna e eficiente no aproveitamento dos recursos, através da transição para uma economia limpa e circular. Com este plano a UE pretende que em 2050 o seu impacto no clima seja neutro, com investimentos na ordem dos 7 triliões de euros até esse ano. Entretanto, a recente eleição de Joe Biden como presidente dos Estados Unidos, assim como o compromisso da China de atingir a neutralidade de emissões de carbono em 2060, vieram reforçar a perspectiva de uma maior coordenação global no combate às alterações climáticas. Neste contexto, sectores como as Energias Alternativas, incluindo o Hidrogénio, e os Veículos Eléctricos, continuarão a atrair muitos investimentos nos próximos anos, com expectativas de retornos interessantes a médio-longo prazo.
Transformação Digital
A par com a transição energética, outra tendência em curso é a transformação digital, a qual registou uma aceleração significativa durante o ano agora findo. Com efeito, parece consensual afirmar que o mundo será cada vez mais digital. A quarentena global, como forma de combate à propagação da Covid-19, veio acelerar o recurso às tecnologias digitais para trabalhar e estudar, e potenciou ainda mais o consumo online, incluindo de entretenimento e de produtos financeiros. Desta forma, os sectores de Tecnologia, e Serviços de Comunicações deverão manter o bom desempenho relativo dos últimos anos. Por outro lado, a maior utilização da internet, incluindo para trabalhar, deverá também beneficiar o sector da Segurança. A Segurança impacta todos os aspectos da vida, incluindo a segurança dos governos e infraestruturas públicas, das empresas e das pessoas, sendo igualmente transversal em termos sectoriais, indo desde a alimentação à tecnologia, passando pela segurança física.
Cadeias de Distribuição mais curtas
A pandemia global veio despertar, sobretudo, os países ocidentais para o risco de dependência excessiva e perigosa de países terceiros, nomeadamente asiáticos, para o fornecimento de bens tão variados, como máscaras de protecção e componentes informáticos. Neste sentido, o mundo será provavelmente menos global. Nos últimos anos, as guerras comerciais marcaram as agendas políticas e económicas dos Estados-Unidos e da China, com a Europa pelo meio. Num futuro próximo, dado o impacto que a presente crise de saúde pública teve nas cadeias de abastecimento globais, muitos países e empresas poderão optar por começar a produzir mais localmente. Neste contexto, este movimento de re-industrialização do Ocidente poderá traduzir-se num crescente investimento em Robótica, como forma de diminuir os custos de produção.
Reforço do investimento na Saúde
A população, em especial nos países desenvolvidos, está a envelhecer, criando mais oportunidades para as empresas que actuam no sector Farmacêutico e da Saúde, em geral. Por outro lado, nos países emergentes, o crescimento da classe média potencia igualmente a procura por melhores cuidados de saúde. Entretanto, em 2020, a pandemia global veio reforçar a necessidade de reforçar os Sistemas Nacionais de Saúde a nível mundial, com mais investimento em meios e pessoas, e sublinhar a importância da comunidade científica e do sector farmacêutico, em particular.
Numa óptica mais táctica e de curto-prazo, o esperado e progressivo regresso ao “normal” deverá suportar a recente recuperação dos sectores Value, como o Financeiro e Petrolífero, muito castigados ao longo de 2020 e cujas avaliações parecem interessantes, num cenário de retoma económica e, no caso dos bancos, aumento da inclinação das yield curves.
Radar sectorial
Fonte: Bloomberg. Banco Invest. ERP – Equity Risk Premium (prémios de risco). Valores em 29-Nov-19
Em suma, as avaliações dos principais benchmarks accionitas mundiais encontram-se em níveis historicamente muito elevados, apenas justificáveis pelas baixas taxas de juro, limitando a rendibilidade esperada nos próximos anos. Assim, em alternativa aos tradicionais índices, os investidores deverão privilegiar temas e sectores com perspectivas de crescimento acima da média, como o Clean Energy, o Digital, a Segurança e a Saúde.
Outlook Acções: Neutral
Estados-Unidos: Underweight
Europa: Neutral
Emergentes: Overweight
Obrigações e Liquidez
No final desta crise de saúde pública, o mundo estará certamente mais endividado. Uma das poucas certezas que se podem ter neste momento, é que os países sairão desta crise com um stock de dívida ainda maior, após os estímulos fiscais massivos realizados para salvar as respectivas economias e serviços nacionais de saúde. A situação, contudo, não é tão grave como em 2011, na medida em que os bancos centrais têm mantido as yields das dívidas públicas artificialmente baixas, mesmo para países com contas públicas mais frágeis, como é o caso dos países do sul da Europa. Na nossa opinião, mesmo que a economia global cresça mais do que o antecipado em 2021, os bancos centrais não arriscarão subidas das taxas de juro, mantendo políticas monetárias bastante acomodatícias e, mais importante, permitindo taxas de juro reais negativas. A combinação de um aumento, ainda que moderado, da taxa de inflação e taxas de juro reais negativas não é a mais favorável para a Dívida Pública, pelo que mantemos uma exposição residual a esta classe de activos nas Carteiras sob gestão.
Yields da Dívida Pública (%)
Em alternativa, mantemos a exposição, na componente de Dívida Privada, ao segmento de High Yield (HY) global. Na nossa opinião, o esperado cenário de retoma económica e baixas taxas de juro continua favorável para estas empresas, esperando-se uma melhoria das respectivas métricas de risco. Os spreads de crédito encontram-se, contudo, historicamente baixos, pelo que a rendibilidade esperada situa-se em torno das actuais yields de mercado (ou seja, ganhos limitados em termos de preço e uma rendibilidade esperada mais em linha com as yields actuais).
Por sua vez, no segmento de Investment Grade (IG) mantemos a exposição a dívida híbrida (Hybrid Corporate Bonds, excl-Financials). Na nossa opinião, a dívida Investment Grade senior encontra-se em níveis pouco atractivos a prazo e com um risco de taxa de juro significativo (duration risk); em alternativa, para um risco de crédito semelhante, as obrigações híbridas permitem rendibilidades superiores, embora com alguma volatilidade e correlação com os mercados accionistas. Para efeitos de comparação, na Zona Euro, os spreads de crédito de obrigações híbridas investment grade (ex-financials) situam-se nos 210 bp, enquanto que nas senior se ficam pelos 45 bp.
Por fim, mantemos a exposição a Dívida Emergente, em moeda local. Na nossa opinião, estas economias continuarão a registar taxas de crescimento, em média, muito superiores às das economias avançadas, suportadas por factores estruturais como a demografia, urbanização e crescimento da classe média, o que combinado com taxas de juro baixas nos Estados-Unidos e negativas na Zona Euro, significa uma alternativa interessante no espectro das obrigações.
Outlook Obrigações: Underweight
Dív. Pública Euro: Underweight
Dív. Pública EUA: Underweight
Dív. Híbrida (IG): Overweight
High Yield Global: Overweight
Dív. Emergente (Local): Overweight
Yields das Obrigações (%)
Por fim, resultado da posição neutral em Acções e underweight em Obrigações, a alocação de activos recomendada inicia o ano overweight em Liquidez. Sendo certo que rendibilidade é reduzida, a Liquidez é descorrelacionada das restantes classes de activos, permitindo acomodar o eventual aumento da volatilidade nos mercados financeiros.
Em termos cambiais, mantemos uma exposição ligeiramente underweight em USD e overweight em NOK (coroas norueguesas) e em moedas emergentes, através de obrigações destes países. Relativamente ao USD, a perspectiva de aumento do défice e dívida pública, com o novo presidente democrata, a recuperação da economia global (e não apenas da norte-americana) e a diminuição dos diferenciais de taxas de juro, são factores que colocam pressão no USD. Pelo contrário, as NOK poderão beneficiar de uma recuperação do preço do barril do petróleo e as moedas emergentes, de acordo com os analistas do banco Pictet, encontram-se 25% subvalorizadas face ao USD.
EUR: Overweight
USD: Underweight
NOK: Overweight
Emergentes: Overweight
Concluindo, o ano de 2020 veio uma vez mais relembrar os investidores da importância do investimento a médio e longo prazo e, em particular, a importância de “não sair totalmente do mercado” em períodos de turbulência, como em Março último. Desde então, a recuperação foi significativa nas diferentes classes de activos, e suportada pelos bancos centrais, que pressionaram ainda mais as taxas de juro e impulsionaram as valorizações e avaliações dos activos com maior risco.
Assim, o ano de 2021 inicia-se num contexto (novamente) desafiante: a economia é esperada recuperar, mas condicionada pela evolução da pandemia global; os activos com menos risco não oferecem rendibilidade; e, as avaliações dos activos com risco são, salvo excepções, elevadas.
Deste modo, a diversificação continua fundamental, combinando posições com maior risco e rendibilidade esperada, como é o caso das Acções, com posições de menor risco e retorno, como a Liquidez e o Ouro. Entre as Acções, a abordagem deverá ser global e com exposição às grandes tendências dos próximos anos, como o ambiente e a sustentabilidade.
Paulo Monteiro
Redigido em 4 de Dezembro de 2020
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